quinta-feira, 17 de novembro de 2016

O Ensino e a História da África e das Africanidades nos Bancos Escolares


A Lei 10.639 O Ensino e a História da África e das Africanidades nos Bancos Escolares



Nesta unidade veremos a lei 10.639, as dificuldades do trabalho com a história da África em sala de aula e os caminhos que a escola vem percorrendo para incluir nas atividades curriculares os conteúdos da História da África e das Africanidades.


1. Introdução

Saudações, futuros historiadores!

Sou a professora Taíse e juntos, neste final de semestre, faremos algumas reflexões a cerca dos debates da lei 10.639 que trata da inclusão nos estabelecimentos de ensino, dos conteúdos da história e da cultura africana na educação. Acima vocês viram na íntegra a lei que legitima o estudo da cultura africana e suas influências na formação da identidade do ser brasileiro. Veremos de que forma a lei vem sendo incorporada pelas instituições de ensino no Brasil e faremos uma reflexão sobre o contexto da formulação da lei e de que forma os professores estão promovendo o debate e a inclusão na disciplina e no currículo escolar.

2. Lei 10.639 e o Ensino
A Lei nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003 ressalta a obrigatoriedade nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, o ensino da História e Cultura Afro brasileiras. Contempla o estudo da História da África e dos Africanos, as lutas e os movimentos de resistência ao preconceito e ao etnocentrismo, a cultura africana no Brasil e a participação do africano para a formação da sociedade. Trata-se de uma lei que visa à valorização do componente africano como um segmento social histórico, valorizando a participação do negro nas áreas sócio e econômica e política pertinentes à História do Brasil. Isso significa que deverá haver novas diretrizes curriculares para o estudo das relações étnico raciais no Brasil.

No caso do ensino fundamental e médio, a lei pretende que os agentes da educação promovam uma política educacional voltada para a valorização da cultura e da identidade da população afro descendente, através de propostas que viabilizem a superação do racismo. A produção de conhecimentos que possam levar os sujeitos envolvidos no processo educacional a um relacionamento étnico racial positivo visando práticas pedagógicas de valorização da diversidade cultural.

Diante deste debate pergunto a você:

O que você conhece sobre a África?
No seu tempo de escola, o que estudou sobre a África?
Quais são as impressões que surgem quando ouve a expressão Continente Africano?

Veja o que diz Anderson Ribeiro Oliva sobre estes questionamentos:

Talvez as respostas sofram algumas variações, na densidade e na substância de conteúdo, dependendo para quem ou onde a pergunta seja proferida. Acredito, no entanto, que o silêncio ou as lembranças e imagens marcadas por estereótipos preconceituosos vão se tornar ponto comum na fala daqueles que se atreverem a tentar formular alguma resposta. Atrevimento sim! Quantos de nós estudamos a África quando transitávamos pelos bancos das escolas? Quantos tiveram a disciplina História da África nos cursos de História? Quantos livros, ou textos, lemos sobre a questão? Tirando as breves incursões pelos programas do National Geographic ou Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África? Paremos por aqui. Ou melhor, iniciemos tudo aqui. (Oliva, 2003, p. 423)

Link: Entre no site e confira a matéria da Revista escola sobre a História da África e a Sala de aula.





Veja a declaração do presidente da república do Brasil, Luiz Inácio lula da Silva, a respeito de sua impressão sobre a cidade de Windhoek, capital da Namíbia em uma visita no ano de 2003:

Estou surpreso porque quem chega a Windhoek [capital da Namíbia], não parece estar num país africano. Poucas cidades do mundo são tão limpas, tão bonitas arquitetonicamente e têm um povo tão extraordinário como tem essa cidade [...]. A visão que se tem do Brasil e da América do Sul é de que somos todos índios e pobres. A visão que se tem da África é de que também é um continente só de pobre.
(Correio Braziliense, 2003: 2).

Segundo Oliva (2003) esta é uma declaração que demonstra a percepção sobre a África. As notícias que são veiculadas pela mídia, que marcam a África como um Continente de misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS, fome e falência econômica. Toda a produção midiática sobre este continente e as informações que dominam os meios de comunicação foram incorporadas pelos livros didáticos e determinam a tradição racista e preconceituosa de estudos sobre o Continente e a discriminação à qual são submetidos os afro descendentes. Para o presidente do Brasil, as ruas limpas, o povo extraordinário e a bela arquitetura são visto com surpresa e admiração. È uma inversão daquilo que estamos acostumados a visualizar e do que aprendemos ao longo da vida.

O autor segue diante desta declaração afirmando que a educação escolar não atende aos anseios de uma nova visão para a África, como um continente capaz de desenvolver atividades que possam ser positivas, e as interpretações simplistas, acabam por detonar uma representação destorcida da realidade. Este também é o resultado de uma prática trabalhada pelos livros didáticos que tende a ver a escravidão como algo necessário para o desenvolvimento do Brasil, naturalizando o processo escravista. Estas distorções existentes fazem parte de um presente político, cultural e econômico atual mas possuem profunda relação com o passado brasileiro:

Para além da educação escolar falha, é certo afirmar que as interpretações racistas e discriminatórias elaboradas sobre a África e incorporadas pelos brasileiros são resultado do casamento de ações e pensamentos do passado e do presente. Neste caso, percebe- se que as representações deturpadas sobre o Continente africano não são uma exclusividade brasileira dos dias do presidente Lula. As distorções, simplificações e generalizações de sua história e de suas populações são comuns a várias partes e tempos do mundo ocidental. Dessa forma, se continuarmos a reproduzir leituras e falas como a citada, é muito provável que o imaginário de nossas futuras gerações sobre a África não sofra modificações significativas. (Oliva, 2003, p. 431)

Questão para reflexão: Por que a África é um continente desconhecido?

Para Oliva, a lei sancionada pelo então presidente da república torna obrigatório o ensino da história dos afro-brasileiros e da África no ensino fundamental e médio, traz um momento único para o debate das questões pendentes sobre a formação do Brasil como Estado e Nação. É propício o debate sobre o olhar eurocêntrico da história que insere a história da África e as africanidades apenas no contexto da Expansão Marítima e segue apresentando o lado atroz de um continente marcado pela miséria:

Medida justa e tardia, e ao mesmo tempo difícil de ser implementada. Isso por um motivo prático: muitos professores formados ou em formação, com algumas exceções, nunca tiveram, em suas graduações, contato com disciplinas específicas sobre a História da África. Soma-se a esse relevante fator a constatação de que a grande maioria dos livros didáticos de História utilizados nesses níveis de ensino não reserva para a África espaço adequado, pouco atentando para a produção historiográfica sobre o Continente. Os alunos passam assim, a construir apenas estereótipos sobre a África e suas populações. (Oliva, 2003, p.429)
Portanto, seria justo perguntar:

Como a História da África é ensinada em nossas escolas?

Um artigo muito discutido pelos professores de história é o da autora Hebe Maria Mattos O Ensino de História e a luta contra a discriminação racial no Brasil. Segundo Oliva, a autora possui sensibilidade para iniciar as discussões sobre o ensino da História da África. Desta forma, a autora aponta para a necessidade de um redimensionamento teórico e curricular, através da idéia de que a África faz parte de um contexto maior, o da história do mundo Atlântico. Outra fundamental questão abordada pela historiadora é a negligência com a qual se trata a História da África nas universidades e as consequências de tal fato no ensino.

Neste artigo, a autora reflete sobre a História da áfrica em um dos livros didáticos mais recentes do país, e insere o debate sobre os conteúdos da 6ª série do Ensino Fundamental. O livro traz propostas inovadoras, mas segue em trabalhar com o que existe de mais tradicional sobre a África, inserindo o continente no contexto da Expansão Marítima. Na unidade seguinte, que estuda o “desencontro entre culturas”, Mattos se incomoda ao perceber que os autores nem sequer utilizam alguma palavra sobre a África e entram apenas como força de trabalho na sociedade colonial. (Mattos, 2003)

Nos debates sobre a escravidão os autores do livro naturalizam a escravidão justificando que o continente africano possuía deste os primórdios práticas escravistas. Fica claro, segundo a autora, que a África naturalmente é um local fornecedor de mão-de-obra. Este é o resultado de uma reflexão simplista da história da África, sem a preocupação de trabalhar com profundidade como se trabalha a história da Europa e suas influências sobre o continente americano. Ensinar história da África aos alunos brasileiros é a única maneira de romper com a estrutura eurocêntrica que até hoje caracterizou a formação escolar brasileira.(Mattos, 2003, p.135).

Muito ainda temos que estudar e refletir sobre a história da África, para que através do conhecimento possamos superar o entendimento tradicional e etnocêntrico do Continente. Um pensamento que ainda remonta o início do século XX, em que muitos historiadores ao pensarem sobre a identidade do ser brasileiro almejaram uma escravidão menos branda do que dos demais países escravistas e uma dinâmica social composta por elementos sociais complementares. De acordo com Emília Viotti da Costa (1999), um mito criado para encobrir o preconceito racial e que também criou distorções difíceis de serem superadas.

Para saber mais: Leia o artigo "Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil" de Petronila Beatriz Gonçalves da Silva: <>.

3. As Diretrizes Curriculares Nacionais para as Relações Étnico Raciais

Além da lei 10.639, também tivemos a homologação da Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004, pelo Conselho Federal de Educação, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Neste documento encontramos as “políticas de reparações, de reconhecimento e valorização de ações afirmativas” e, no âmbito da educação das relações étnico-raciais, apontam para a ressignificação do conceito raça no contexto das lutas anti-racistas.

Veja o que nos diz Hebe Maria Mattos e Marta Abreu (2008) sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais:

As “Diretrizes” trazem para o âmbito da escola, pela primeira vez, a importante discussão das relações raciais no Brasil e o combate ao racismo, tantas vezes silenciado ou desqualificado pelas avaliações de que o Brasil é uma democracia racial. É importante lembrar, entre tanto, que a construção da ideia de democracia racial no Brasil se fez, especialmente a partir das décadas de 30 e 40 do século XX, em oposição às teorias racistas, anteriores e concorrentes, que pregavam o “branqueamento” da população brasileira (Guimarães, 2002: cap. 3). De fato, foi a relativa continuidade entre a ideologia do branqueamento e a noção de democracia racial que fez essa perspectiva ser avaliada, especialmente a partir da década de 1960, como um mito (Fernandes, 1978: 249-269). É o chamado “mito da democracia racial”, um dos eixos centrais abordados e denuncia dos pelas “Diretrizes”. Também redigido por especialistas, no âmbito do campo especificamente pedagógico, o texto do parecer aprova do pelas “Diretrizes” possui um tom claramente mais político que o dos PCNs, já que diretamente relacionado à questão do combate ao racismo. De maneira inequívoca, educadores diretamente ligados aos movimentos negros respondem agora pela redação do documento. Nesse sentido, o parecer se propõe “oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade” (ABREU; MATTOS, 2008, p. 9).

Os valores da africanidade são continuamente destacados nas Diretrizes, mas não se pode dizer que isto é feito a partir de argumentos essencialistas. O texto das Diretrizes sustenta que a pragmática para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana deve partir dos seguintes princípios:

1. consciência política e histórica da diversidade;

2. fortalecimento de identidades e de direitos;

3. ações educativas de combate ao racismo e a discriminações.

No que concerne à História da África, destaca-se as teses do Atlântico Negro: a ocupação colonial na perspectiva dos africanos; a descolonização e seus impactos na Europa e na América; as relações entre as culturas e as histórias dos povos do continente africano e os da diáspora; vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus descendentes na América; relações políticas, econômicas, culturais e educacionais entre a África e o Brasil. O texto também encaminha para estudos de caso e pesquisas biográficas sobre o protagonismo de políticos, cientistas, escritores e intelectuais africanos, na perspectiva de superar a representação de uma África sem criação tecnológica, tradição artística e luta social.

Enfim, o texto das Diretrizes Curriculares Nacionais Para as Relações Étnico-Raciais apontam para uma nova forma de se olhar para a história da África e dos afrodescendente para o desenvolvimento de pedagogias que combatam o racismo e a discriminação. Para isso é importante levar em consideração alguns pontos:

Preocupação dos professores no sentido de designar ou não seus alunos como negros ou como pretos sem ofensas;
Esclarecer que ser negro no Brasil não se limita apenas às características físicas como a cor da pele. Trata-se de uma escolha política;
Compreender que preto é um dos quesitos do IBGE para designar, ao lado do branco, pardo e indígena, a cor da população brasileira.
Tomar consciência do complexo processo de construção da identidade negra no Brasil.
Enfrentar o equívoco de que os negros se discriminam e que são racistas.
Superar a crença de que a discussão sobre a questão racial se limita ao Movimento negro e aos estudiosos do tema e não aos estudiosos da educação.
Esclarecer o equívoco em se pensar que o racismo só atinge os negros;

Todas estas questões visam o combate ao racismo e a discriminação para o fortalecimento dos negros e o despertar nos brancos à consciência negra. (BRASIL, 2004).

LINK: Acesse o site e veja os conteúdos a respeito da história da cultura africana e das africanidades.

www.africaeafricanidades.com.br/edicao11.html

Brasil . Conselho Nacional de Educação. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, 2004. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/003.pdf >. Acessado em: 29/08/2013.

COSTA, Emília Viotti. O Mito da Democracia Racial no Brasil. In: Da Monarquia A República, Momentos Decisivos. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

FLORES, Elio Chaves. Etnicidade e ensino de História: a matriz cultural africana. Revista Tempo. 2006.

MATTOS,Hebe Maria (2003). “O ensino de história e a luta contra a discriminação racial no Brasil”. In M. Abreu & R. Soihet, Ensino de história: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro, Casa da Palavra FAPERJ, pp. 127-136.

OLIVA, Anderson Ribeiro (2003). A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, no 3, 2003, pp. 421-461



África: Sua História e sua Cultura na Disciplina Histórica
1. Introdução

Nesta aula, vamos debater as reflexões existentes sobre a inclusão da História da África e a cultura africana no ensino de História. Em nossa aula passada, vimos o contexto da lei 10.639, e como que as primeiras discussões debatem as formas de inclusão curricular da História do Continente Africano no ensino de História. Pouco ainda estamos realizando, pois se segue uma linha tradicionalista, presente na historiografia, que inclui a África na rota da Expansão Marítima, cristalizando o entendimento de que o continente é apenas um fornecedor de mão de obra escrava para os países em vias de fortalecimento, através de suas colônias.

Sendo assim, tal perspectiva vem sendo revista pelos professores do ensino de história, que encontram dificuldades para o estabelecimento de uma abordagem curricular da história da África e sua influência na formação da cultura brasileira. Estas dificuldades se remetem ao não cumprimento da lei 10.639, ao cumprimento parcial da lei, trazendo a realidade do continente africano através de estudos simplistas, artificiais, que permanecem ressaltando a miséria, a fome de um continente em atraso.

2. Desenvolvimento

O fato é que no esforço de superação dos rótulos empregados ao Brasil durante o século XX, como país subdesenvolvido, em meio às riquezas e suas potencialidades, produziu um modelo de organização cultural que viabilizou a leitura do colonizador. Constatamos a vigência do Mito de uma democracia Racial, em que o discurso da diversidade cultural se impõe sobre o olhar do homem branco. Este debate também segue na educação e na escola, que encontra dificuldades de superação do modelo cultural em que a diversidade cultural não consegue discutir a realidade de negros e indígenas. Ainda, visando uma matriz curricular que dá ênfase ao olhar europeu, elitizante, que impõe a dicotomia entre o “bárbaro” e o “civilizado”. Os livros didáticos ainda não produzem debates a cerca das influências do continente africano, o que leva milhares de estudantes brasileiros a deixarem de estudar pelo preconceito e pelo silenciamento de culturas que poderiam ser a chave para a superação do racismo no Brasil:

Currículos e manuais didáticos que silenciam e chegam até a omitir a condição de sujeitos históricos às populações negras e ameríndias têm contribuído para elevar os índices de evasão e repetência de crianças provenientes dos estratos sociais mais pobres. A grande maioria adentra nos quadros escolares e sai precocemente sem concluir seus estudos no ensino fundamental por não se identificarem com uma escola moldada ainda nos padrões eurocêntricos, que não valoriza a diversidade étnico-cultural de nossa formação.

Pesquisas já realizadas pela Fundação Carlos Chagas (1987) têm demonstrado o quanto nossa escola ainda não aprendeu a conviver com a diversidade cultural e a lidar com crianças e adolescentes dos setores subalternos da sociedade. Os dados revelam que a criança negra apresenta índices de evasão e repetência maiores do que os apresentados pelas brancas. A razão disso tudo, segundo a pesquisa, era devido aos seguintes fatores: conteúdo eurocêntrico do currículo escolar e dos livros didáticos e programas educativos, aliados ao comportamento diferenciado do corpo docente das escolas diante de crianças negras e brancas. (Fernandes, 2005, p. 381)

A lei 10.639, na visão de Fernandes (2005), representa um avanço, pois possibilita o estudo e a construção de uma consciência sobre a diversidade cultural e a crítica sobre os modelos vigentes que abordam a questão do multiculturalismo. Também, reconhece uma luta histórica do movimento negro em nosso país, comemorado no dia 20 de novembro e intitulado o “Dia da Consciência Negra”, cuja bandeira de luta consistia em incluir no currículo escolar o estudo da temática “história e cultura afro-brasileira”. Mas não podemos esquecer que muito ainda precisa ser feito para que a Lei não cumpra com o seu papel de apenas, em teoria, propiciar um discurso mascarado em forma de pseudo aceitação do componente africano na sociedade brasileira.

História da África, Cultura Africana e o Ensino de História

De acordo com Oliva (2003) desde a década de 1980 o ensino de história passou por profundas transformações, ligadas ao contexto de renovação da historiografia e do ensino em geral. Porém, os estudos sobre a história da África e sobre a diversidade cultural esbarraram na visão tradicional e positivista existente. Os livros didáticos continuaram a reproduzir uma visão eurocêntrica sobre a escravidão e os demais processos históricos. Até mesmo os países africanos de língua portuguesa apresentam esta dificuldade, como aponta Oliva:

No que concerne ao estudo da História da África, não podemos ignorar o fato de que após o processo de libertação africano, ocorrido na segunda metade do século XX, principalmente até os anos 70, ocorreu uma expansão — quantitativa e qualitativa — significativa das pesquisas realizadas sobre a história do Continente, tanto por africanistas como por historiadores dos países recém formados (Difuila, 1995). Porém, devido a problemas internos e ao descaso externo, esses países— falamos especialmente dos países africanos de língua portuguesa —, tiveram alguma dificuldade em transportar para seus ensinos as inovações conquistadas por seus pesquisadores. No mundo europeu, esse momento foi marcado por um novo perfil das pesquisas, até então realizadas sob a tutela do olhar colonialista. Já na América, concentraram-se, principalmente nos Estados Unidos e no Brasil, os maiores esforços de entendimento sobre a África, evidenciados pelas pesquisas e centros de estudos montados. Mesmo assim, se comparados com estudos realizados sobre outras temáticas, ainda são esforços pálidos. (Oliva, 2003, p.428)

Afirma Oliva (2003) que atualmente muitas temáticas são trabalhadas pela historiografia africana. Estudos que possuem como objetos de estudo: as epidemias, o cotidiano, novas tendências da economia e da ciência política, a importância do regional, gênero, escravidão, cultura política e influências da literatura. Desta forma, ocorrem releituras sobre os contatos com os europeus e sobre os complexos problemas a que submerge hoje o Continente, já que foi alvo de uma quantidade avassaladora de investigações. Em termos quantitativos e qualitativos, há uma produção estimulante na historiografia africana, mesmo sentindo a falta de interesse e relevância dos estudos propostos.

Oliva discorre sobre o ensino de história e demonstra como que através do livro didático muitos autores brasileiros buscam a aplicação dos procedimentos metodológicos, para a inclusão de fato dos conteúdos debatidos pela lei de 2003 e pelas demais diretrizes curriculares que viabilizam o debate da diversidade cultural e etnicidade no Brasil. O livro didático é um instrumento de viabilização das representações históricas, através dele podemos compreender a historiografia e as intenções dos autores em relação ao trabalho dos conteúdos disponibilizados nos textos. Os autores seguem critérios para a construção de suas propostas e estas podem ser estudadas em seus contextos de produção:

Os próprios manuais guardam uma larga possibilidade de entendimento a partir do contexto no qual foram fabricados, do momento historiográfico vivenciado, das diversas demandas e influências que se apresentaram na elaboração desse tipo de material e de ideologias ou mentalidades circulantes. Ao escrever um texto sobre a formação dos Estados nacionais europeus e ignorar a multiplicidade étnica da África pré-colonial, ou utilizar imagens de africanos escravizados e brutalizados e não aquelas em que aparecem resistindo ou interagindo ao tráfico, o autor está fazendo uso de uma série de critérios: sua formação acadêmica, suas convicções ideológicas, seu contexto histórico, o público para quem está elaborado o material, a intenção das editoras, as limitações de sua formação para tratar todos os assuntos e as pressões do mercado editorial. De certa forma, seu trabalho final é o resultado de seus olhares direcionados e cheios de significados e interpretações, resultando num tipo de representação da história. (Oliva, 2003, p. 442)

O uso das imagens no livro didático pode ser uma estratégia de ensino quando esta é trabalhada como uma fonte histórica contextualizada. Ao utilizar a fonte como material reforçador do discurso tradicional no livro didático, crianças e jovens interiorizam o discurso da inferioridade e produzem um imaginário distorcido da realidade, o que leva, a grosso modo, ao preconceito:

Seria plausível, então, pensar que se uma criança africana, européia ou brasileira for acostumada a estudar e valorizar apenas ou majoritariamente elementos, valores ou imagens da tradição histórica européia elas irão construir interpretações ou representações influenciadas pelas mesmas. Da mesma forma, se as imagens reproduzidas nos livros didáticos sempre mostrarem o africano e a História da África em uma condição negativa, existe uma tendência da criança branca em desvalorizar os africanos e suas culturas e das crianças africanas em sentirem-se humilhadas ou rejeitarem suas identidades. (Oliva, 2003, p. 443)

Oliva procura debater os conteúdos de livros didáticos de história que primam pela reflexão da História da África como um componente obrigatório. Ressalta o pesquisador que ao analisar estas fontes, por mais que os autores deixem claros nos manuais didáticos seus objetivos e suas influências teóricas e metodológicas, os procedimentos utilizados pelos autores didáticos esbarram no tradicionalismo das visões eurocêntricas sobre a África, as simplificações de conteúdos complexos e generalizações muitas vezes anacrônicas. Ocorre também a seleção de estudos de grupos sociais em detrimento de outros grupos, tendo como ponto de vista a História da Europa. Também, ocorre a imprecisão das informações em relação às populações africanas, emissão de juízos de valor e atividades arriscadas em que o autores tecem afirmações sem base empírica.

Embora Oliva afirme que os autores se saem muito melhor ao analisar imagens produzidas sobre a África e que os livros didáticos oferecem como subsídios para o entendimento do preconceito constituído através dos anos de exploração e veiculação de imagens que sempre priorizam o exótico, a miséria, as feições, os costumes, os gestos, as roupas em relação aos padrões europeus. A imagem neste sentido torna-se a linguagem para o trabalho com a discriminação, o preconceito e o racismo. Esta questão será discutida na próxima unidade, em que veremos de que forma a imagem, sobre o africano no Brasil, foi produzida pelos viajantes europeus do século XIX.

FERNANDES, José Ricardo Oriá. Ensino de História e Diversidade Cultural: Desafios e Possibilidades. Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 378-388, set./dez. 2005.

OLIVA, Anderson Ribeiro (2003). A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, no 3, 2003, pp. 421-461.